Grupo móvel mantido pelo governo federal encontrou 21 trabalhadores em condições de escravidão em duas propriedades em Passos Maia (SC) e Porto União (SC). Representação estadual da fiscalização libertou mais 14 pessoas
Por: Bianca Pyl, da Repórter Brasil
Fiscalizações que se sucederam em municípios da zona rural de Santa Catarina libertaram 35 pessoas de condições análogas à escravidão. As vítimas atuavam no corte e extração de pinus e na colheita de erva-mate.
Entre 13 e 23 de setembro, o grupo móvel de fiscalização – composto pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pela Polícia Federal (PF) – esteve em duas propriedades localizadas nos municípios de Passos Maia (SC) e Porto União (SC).
Na Fazenda Santo Agostinho (antiga Fazenda Zoller), foram resgatados seis trabalhadores em uma área de cultivo e reflorestamento de pinus. Uma parte do grupo estava no local desde agosto e a outra havia iniciado em setembro. A propriedade fica em Passos Maia (SC) e pertence a Laci Dagmar Zoller Ribeiro, que também é dona da Fazenda Videira, ocupada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em 2007. Na ocasião, pistoleiros teriam atirado contra as famílias que estavam acampadas.
De acordo com Juliane Mombelle, procuradora do trabalho lotada no Rio de Janeiro (RJ) que fez parte do grupo móvel, os empregados da Fazenda Santo Agostinho pagavam para trabalhar. "Eles tinham que alugar o cavalo do capataz para carregar as toras de madeira cortadas no meio da floresta, além de todo o contexto degradante em que viviam", explicou.
Os trabalhadores ficavam alojados em uma casa em péssimo estado, dividida em dois cômodos, que alojava um grupo de três pessoas em cada cômodo. Não havia camas, somente pedaços de espuma colocados no chão. Banheiros ou chuveiros não estavam disponíveis para os empregados.
Um tambor era usado como fogão para a preparação da comida. O chefe da "turma" (cada uma delas tinha três trabalhadores) era responsável pela alimentação e transporte dos empregados. Eram eles que repassavam o pagamento por produção ao restante da "turma". As ferramentas e as motosserras eram dos próprios trabalhadores.
Outros cinco empregados que trabalhavam sem registro tiveram suas Carteiras de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) assinadas após a fiscalização. "Não houve resgate porque eles não ficavam alojados na propriedade, como o outro grupo [que acabou sendo resgatado]", observou Juliane.
As irregularidades encontradas geraram a lavratura de 48 autos de infração. Segundo a procuradora, a empregadora Laci Dagmar não aceitou pagar indenização por dano moral coletivo. Por esse motivo, o MPT deve ingressar na Justiça com uma ação civil pública para requerer o valor.
Erlon Ribeiro, marido de Laci Dagmar Zoller Ribeiro e diretor da construtora Andrade Ribeiro, afirmou à Repórter Brasil que a denúncia de trabalho escravo partiu de um ex-empreiteiro que queria prejudicá-lo. "Fizeram um teatro na nossa propriedade, bem na semana que eu estava de férias. E eu não pude acompanhar a fiscalização", declarou à reportagem.
O problema ocorreu, na visão dele, porque os empregados não aceitaram dormir no alojamento adequado, próximo à sede da fazenda. "Eles preferem ficar afastados para ficar à vontade. Gostam de fumar e tomar pinga. Foi nosso erro ter deixado eles escolherem", disse. O empresário pagou as verbas rescisórias e está aguardando a desinterdição da propriedade.
Erva-mate
A mesma equipe do grupo móvel visitou uma outra propriedade em Porto União (SC). No local, encontraram nove pessoas, sendo duas delas adolescentes com apenas 15 anos de idade, em condições análogas à escravidão. Os trabalhadores eram todos de General Carneiro (PR) e tinham se deslocado até a fazenda para a colheita de erva mate. Estavam no local desde o início de setembro, apenas um chegara no mês de outubro.
Os trabalhadores estavam alojados em barracas de lona construídas no meio da mata e em uma pequena casa de madeira (3m x 2m), sem portas ou janelas. Dormiam em "colchões" de espumas espalhados pelo chão. Não havia instalações sanitárias ou elétricas no local.
"O frio e o vento eram intensos, conforme as características climáticas da região", conta a procuradora Juliane. Mesmo com as baixas temperaturas, o banho era tomado na nascente de um rio que corria pela propriedade. Os cobertores disponíveis eram insuficientes. "Encontramos um trabalhador com febre e um adolescente com um corte na mão. Nenhum deles teve assistência médica ou qualquer socorro", relatou a procuradora. Não havia uso de equipamento de proteção individual (EPI) para a execução do trabalho.
A água consumida perlos empregados vinha do mesmo local usado para tomar banho. "A situação vivida por essas pessoas era totalmente degradante", definiu Juliane. O intermediário Alvir Ferreira de Mello fornecia a alimentação, que era descontava na hora do pagamento. "A mata era nativa e o dono ´vendeu a fazenda em pé´ para Alvir, que aliciou os trabalhadores e gerenciava o trabalho. Além de vender a erva colhida", explicou a procuradora.
O vínculo empregatício foi estabelecido com Alvir, que assinou as carteiras de trabalho, mas se recusou a pagar as verbas rescisórias. O MPT moveu ação civil pública para exigir o pagamento das verbas e dos valores referentes a danos morais individuais e coletivos. O proprietário da fazenda também assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) comprometendo-se a não permitir que situações como essa ocorram novamente. A Repórter Brasil não conseguiu encontrar os envolvidos para comentar o caso.
Para acompanhar a matéria completa sobre o trabalho escravo rural, acesse o site do Repórter Brasil.
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